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HORA DE VOLTAR PARA

A CAS(ERN)A

Para o Tenente-Coronel Souza Cruz, subcomandante do 11º BPE, o que mais lhe chama a atenção na Polícia do Exército é a questão da identidade. “Quando chegamos em uma unidade de polícia, antes de você ser infante ou intendente, você vira PE. Isso passa a ser sua principal arma, por assim dizer, criando no batalhão uma identidade muito grande. Na unidade, todos nós temos uma missão especifica, mas também uma missão comum, que é ser Polícia do Exército”, conta.

O Tenente Antônio Franklin, após dois anos servindo no batalhão, está pronto para partir. “Agora, estou transferido para o 4º Batalhão de Infantaria de Selva, para comandar um pelotão de fronteira no Acre, em Santa Rosa do Purus. Vou chegar na sede do batalhão e, em seguida, ir para o 4º Pelotão de Fronteira. Vai ser um novo desafio, vai agregar muito conhecimento, porque é uma outra área do Exército. É outro tipo de conflito”, comenta.

Como maior aprendizado que levará da Polícia do Exército, ele afirma que “confiar no subordinado e nos superiores é importante”. “O subordinado olhar para você e não te questionar, ele confia e executa daquela forma, é gratificante. Trabalhar o emocional é uma parte que aprendi muito”.
 

Por outro lado, a Polícia do Exército não mudou apenas a vida dos militares de carreira. O Soldado Leandro Nascimento*, da 1º Companhia de Polícia, encontrou na força terrestre uma oportunidade para ascender. “Eu vim para o Exército por inspiração. O meu tio era militar e ele chegou a falecer, então ele não me viu entrando aqui. Mas eu entrei por ele. Eu cheguei, gostei e fiquei. Ele era cabo paraquedista e me contava as histórias que ele vivenciou”, diz.

“A primeira vez que eu subi em uma comunidade foi na Rocinha. Era um dia que eu tinha acabado de sair de serviço, estava trocando de roupa para ir embora, e me falaram: ‘Vamos que hoje tem missão’. Fui para a Rocinha, e ficamos cinco dias lá. No primeiro, chegamos lá com tiroteio, e fiquei desesperado. Os dias foram passando e eu comecei a gostar da rotina, vi que a Polícia do Exército era uma tropa bem especializada. Isso foi em 2016, no meu ano de recruta. Foi algo de repente, não imaginei que isso aconteceria tão cedo”, relata.

Ele não terminou o ensino médio, mas pretende voltar a estudar e até pensa em cursar uma faculdade no futuro. “Minha família gosta do fato de eu estar aqui, pois muitos amigos que cresceram comigo foram para o crime, não seguiram o mesmo caminho. Eu moro em comunidade, e lá muitos jovens acabam indo para o crime”.

“Tenho medo sim. É triste de ver os jovens optando por isso. Eu nasci e fui criado com essas pessoas, e depois você vê as mesmas morrendo por causa do crime. Eu me pergunto: por quê? Eu perdi muitos amigos para o crime. Eu não falo mais com eles por medo”, conta.

“A estrutura familiar não deve ter sido muito boa, não teve educação, não teve a mãe e o pai disciplinando. Eu também não tive isso, mas por causa do meu tio, estou aqui hoje. Agradeço a ele. A referência foi meu tio: ele foi meu pai e minha avó foi minha mãe. O exemplo de pai que tenho é dele. Ele me ensinou a ser o que eu sou hoje”, afirma o soldado.

Um dos motivos que fazem o soldado a continuar no Exército, além de gostar da profissão, é a questão financeira. “Eu consigo ajudar minha família”, diz.

O Soldado Gabriel Souza Vianna dos Santos também passou pelas mesmas operações e desafios. "Minha primeira experiência na linha de frente foi impactante. Nosso comboio estava subindo a Rocinha e de repente houve disparo de fuzil. Essa experiência me preparou para o futuro. Foi um conjunto de missões que me deu muita experiência e agora penso em seguir carreira militar", conta. 

Souza Vianna também fala do companheirismo da tropa. "Um protege o outro na hora de progredir". Para ele, a figura do comandante no batalhão é um exemplo para os demais militares. "Tem um ditado no Exército que diz que a tropa é o espelho do guia. Se ele guia a gente desse modo, a tropa vai agir dessa forma", afirma. 

Para o comandante do 11º BPE, Coronel Harryson, o maior aprendizado que ele adquiriu foi valorizar o militar que está na linha de frente. “O Exército, apesar de ter mais de 200 mil militares em seu efetivo, está espalhado em um pais de dimensão continental. Eu, que já servi na Amazônia, no Centro Oeste, no Nordeste, e aqui no Sudeste, é possível ver que as pessoas não têm noção do que acontecem aqui. Nós estamos envolvidos com questões que mexem com a vida familiar e financeira do militar. Precisamos ser justos com esses militares, com os nossos subordinados”, conta.

“Apesar de já ter atuado em experiências com missões reais, há uma diferença entre comandar pequenos grupos e comandar mais de 500 homens. Hoje eu comando 500 pessoas, são 500 vidas. Estou comandando um batalhão em combate contra forças irregulares no Rio de Janeiro, e esse é o maior ganho que estou levando. É preciso valorizar isso”, complementa.

“Seja na política externa, seja na política interna. Que rumos o Brasil tomará? Precisamos estar preparados o futuro”, questiona o comandante.

O Tenente Saldanha acredita que há uma forma de restabelecer, de modo pleno, a segurança pública no Estado do Rio de Janeiro. “Com o trabalho pesado em inteligência e investigação. Não tem outro jeito de quebrar o tráfico sem inteligência e investigação. O traficante é o varejo e não o atacado, traficante de drogas é o menor dos nossos problemas. A minha guerra naquela comunidade não é o centro da questão. Como que o traficante de drogas recebe as armas e as drogas? A questão é: esse tipo de armamento e material passa por diversos filtros. Há pessoas beneficiadas nessa situação”, diz.

“Isso é o crime organizado. Não somos o Estado mais violento, mas o Rio de Janeiro é o único Estado onde mais de 85% das comunidades são dominadas por facções, e todos eles possuem armamentos de guerra. Eles usam isso contra os nossos policiais, que têm uma série de restrições e de sucateamento. E nós, militares das Forças Armadas, também temos nossas restrições”.

Para ele, apenas a atuação das Forças Armadas não irá resolver o problema. “O Exército sozinho não vai resolver o problema de nenhum lugar. Enquanto não entrar junto na comunidade a educação, e enquanto o jovem perder aquele atrativo, isso vai acontecer. O cara que é novo, cresce na comunidade. Você está numa escola ruim, que falta professor, e você cresce num ambiente onde é incentivado a não gostar de estudar. Então, o jovem olha o poder do chefe do tráfico, que possui dinheiro e bens materiais. Às vezes, com estudo, ele arruma um emprego de carteira assinada e não consegue ter aquilo que o traficante tem, mesmo trabalhando muito”, reflete.

“Nunca vou concordar com isso, mas eu entendo o que faz o jovem virar um bandido. Se o Estado não atuar em sua totalidade, o problema de segurança pública no Estado do Rio de Janeiro nunca será solucionado. Enquanto os políticos não tiverem a iniciativa de entrarem aqui com medidas na área de educação, de saneamento básico, isso não mudará”, afirma.

Para o jovem tenente temporário, o maior aprendizado que ele levará é a resiliência, assim como a vontade de mudar e analisar o cenário atual do Estado. “Nada justifica o cara ser bandido, mas eu não vou colocar a responsabilidade da segurança pública do Rio de Janeiro em uma comunidade. Essa responsabilidade é muito maior do que a gente imagina. Quando cheguei aqui, achava que era ‘fuzil, comunidade e trocar tiro’. Hoje, tenho uma outra mentalidade. Como oficial temporário, nós ficamos no próprio Estado, então, provavelmente, quando eu completar oito anos e sair daqui, eu vou continuar no Rio de Janeiro. Eu quero construir um Estado melhor para mim e para a minha família”, conclui.

O sonho de ser militar também fez parte da vida do Cabo Hélio Oliveira Santa Anna, que chegou no 11º BPE em 2013. “Meu pai era paraquedista e ele era cabo também. Eu pensava: quando eu entrar no Exército, quero ser cabo ou sargento. Aos 10 anos, eu imaginava essa carreira para mim. Aos 17 anos, me alistei na junta militar. Antes de ser incorporado, meu pai veio a falecer. Eu queria que ele me visse fardado, igual a ele. Mas não deu tempo para isso”, conta.

“Assim que eu entrei no Exército, comecei a fazer planos para a minha vida. Eu tinha um objetivo a ser alcançado. Como recruta, tirei a minha habilitação. No ano seguinte, eu fiz o curso de formação para cabo, e comecei a construção da minha casa. Em 2015, eu fiz um curso de edificações. Em 2016, eu tive uma oportunidade de fazer o curso de vigilância, porque o nosso antigo comandante nos ofereceu. No último ano, em 2017, eu noivei e descobri que iria ser pai. Foi uma felicidade. Eu também fiz outro curso, de bombeiro civil. Esse ano, terminei a casa que eu comecei em 2014, meu filho nasceu e eu casei. Eu vou embora em 2021”, relata o Cabo, com muito orgulho da vida que construiu.

“Eu aproveitei bastante todas as oportunidades que me deram. Em 2013, o Papa Francisco veio para a Jornada Mundial da Juventude, e eu participei”, conta.  

“O Exército mudou minha vida. Tenho uma outra visão de tudo. Tive mais responsabilidade, comprometimento com o horário, com o serviço. O momento mais desafiador para mim foi a minha entrada, na época de recruta. Eu queria que o meu pai estivesse aqui para me acompanhar. O curso de formação de cabos também foi difícil. O que me segurou até o final foi o meu pai, porque esse era o sonho dele. Quando eu me sentia fraco, eu lembrava dele. Eu orava, pedia forças e assim foi indo. Agora, meu filho tem sido a minha motivação para continuar”.

“Meu maior sonho, depois que eu sair daqui, é ser bombeiro militar”, declara.

“O maior aprendizado que eu vou levar daqui é o que o comandante fala: o Policial do Exército tem que possuir três características, ser temido, odiado e respeitado. Esse é o militar PE”.

Logo, eu perguntei:

– E você quer ser temido, odiado e respeitado?

– Só respeitado está bom (risos). Já é o suficiente para mim. – responde Cabo Hélio.

*O nome da fonte foi substituído por questões de segurança. 

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